Saturday, February 14, 2009

Acerca do Plano Nacional para a Redução dos Problemas Ligados ao Álcool (em discussão no site do IDT).

Trata-se de um conjunto de medidas muitas delas já tratadas em planos anteriores. Parecem formalmente correctas mas poderão ser completamente inúteis se não se discutirem os seguintes pontos fundamentais:

A subida da idade legal de permissão de compra e de consumo dos 16 para os 18 anos é fundamental e já tinha sido defendida em planos anteriores.
No entanto o que se verifica é que nem a idade de 16 anos é cumprida. O plano devia mencionar isso, mostrar porque é que a lei actual não é cumprida e apontar medidas para que comece a haver uma efectiva fiscalização e cumprimento desta lei e da dos 18 anos. Sem isso o plano fica muito limitado.

A proposta da descida da taxa de alcoolémia dos 0,5 para os 0,2, para certos tipos de condutores, também rejeitada em planos anteriores, é de saudar.

Nenhum plano de Saúde pode funcionar sem analisar porque é que se trabalha tão pouco na função pública portuguesa, nomeadamente na área da saúde mental. O próprio Ministério da Saúde não sabe, e nunca quis saber nem divulgar, quanto trabalham os seus médicos (que, de alguma maneira, são o motor dos serviços de saúde). Desafio a uma publicação imediata de resultados.

A produtividade dos serviços de saúde mental é muito baixa. Em 2004, por contas minhas baseadas em números oficiais, os médicos dos 2 principais hospitais psiquiátricos de Lisboa consultaram menos de 3 doentes por dia de trabalho, o que é muito pouco. Muitos estão em funções burocráticas e muitos não vêm diariamente ao serviço. A produtividade médica do IDT é também ocultada, mas deve ser provavelmente mais baixa ainda do que a dos serviços de saúde mental, e, enquanto não aumentar não há plano alcoológico que funcione.

O plano só destaca, na área do tratamento, as intervenções breves em bebedores excessivos não alcoólicos. Não salienta devidamente a necessidade de tratar com eficácia o número enorme de dependentes e, ainda pior, não refere as investigações nem as boas práticas criadas e realizadas em Portugal nesta matéria, nem cita autores portugueses, desprezando o enorme trabalho inovador e original já feito nesta área. Um plano português que não cita o trabalho pioneiro de portugueses não é, por isso, digno desse nome.

A Inserção incorrecta do IDT no Ministério da Saúde também não é tratada. O plano alcoológico funcionaria decerto melhor se o IDT estivesse correctamente inserido na saúde mental em vez de ser protegido pelos poderes políticas do momento, deixando de ser um serviço vertical, e se ambas funcionassem com muito mais intensidade e eficácia.

6 comments:

Anonymous said...

Caro Senhor Professor Doutor Domingos Neto,

Estimo muito que tenha encontrado agenda para tomar conhecimento do Plano Nacional para a Redução dos Problemas Ligados ao Álcool.

Em relação aos comentários que inseriu, não posso deixar de lhe dizer que:

1- Quanto a
"A subida da idade legal de permissão de compra e de consumo dos 16 para os 18 anos é fundamental e já tinha sido defendida em planos anteriores.
No entanto o que se verifica é que nem a idade de 16 anos é cumprida. O plano devia mencionar isso, mostrar porque é que a lei actual não é cumprida e apontar medidas para que comece a haver uma efectiva fiscalização e cumprimento desta lei e da dos 18 anos. Sem isso o plano fica muito limitado."
devo dizer-lhe que o plano cobre medidas ao nível da fiscalização e do cumprimento da lei, nas acções 4.2, 4.3 e 4.4, que poderá (re)conhecer no plano operacional;

No que se refere a
"Nenhum plano de Saúde pode funcionar sem analisar porque é que se trabalha tão pouco na função pública portuguesa, nomeadamente na área da saúde mental.",
o Senhor Professor Doutor Domingos Neto saberá muito melhor do que eu por que razão o afirma, dado que até há bem pouco tempo era, também o Senhor Professor Doutor, um médico, funcionário público, da área da saúde mental.

"A produtividade dos serviços de saúde mental é muito baixa."
Em relação a esta afirmação, só reitero o meu comentário anterior, acrescentando apenas que o Senhor Professor Doutor foi, durante quase uma dúzia de anos, director de um serviço de saúde mental. Porventura, a questão estará no conceito de Produtividade do Senhor Professor Doutor. Reservo-me o direito de conceber a Produtividade muito para além de um mero somatório de consultas efectivadas, contabilizado pela (incorrecta e muitas vezes deliberadamente falsa) inserção de dados num simples e estupidificado programa ironicamente chamado “Sonho”.

“Não salienta devidamente a necessidade de tratar com eficácia o número enorme de dependentes”
Resposta: todas as acções dos objectivos específicos nº 20 e 21.

“e, ainda pior, não refere as investigações nem as boas práticas criadas e realizadas em Portugal nesta matéria, nem cita autores portugueses, desprezando o enorme trabalho inovador e original já feito nesta área. Um plano português que não cita o trabalho pioneiro de portugueses não é, por isso, digno desse nome.”
Resposta: todas as acções do objectivo específico nº 22. Neste ponto devo acrescentar que, se o que o Senhor Professor Doutor pretendia era ser citado, devo dizer-lhe que, para além da heurística de modelos como o Tratamento Combinado por Etapas serem discutíveis, não seria esta a sede própria para mencionar modelos de tratamento, dado que estamos perante um plano nacional. Os trabalhos portugueses citados são diversos e em grande número, como poderá constatar da própria bibliografia do documento.

Lamento constatar que, embora o tenha lido, leu mal.

Anonymous said...

Senhor Professor Doutor:
Com todo o respeito, permita-me um reparo. Quando diz "Toda a minha vida procurei novidades, notícias frescas que me ajudassem a mudar o mundo. Mudar a minha casa, a minha família, mudar o meu país é pouca coisa, o que eu sempre quiz mesmo, foi mudar o mundo. ", a palavra "quiz" não existe. "Eu quis", de "querer", escreve-se com S.

Anonymous said...

Já agora, "àcerca de" também não existe. O que deverá dizer é "acerca de", Senhor Professor Doutor Domingos Neto

Anonymous said...

Ao anónimo

Em 1º lugar lamento que se esconda no anonimato e não dê a cara.

Acho que os leitores poderão ajuizar sobre o que você e eu dissemos, lendo os respectivos argumentos.
No entanto posso desde já afirmar o seguinte:

Não vi nos pontos do plano alcoológico por si referidos qualquer análise de porque a lei actual não é cumprida, e que medidas haverá de tomar para que se cumpra.

No tempo em que eu dirigi o CRAS a produtividade médica deste serviço era de mais do dobro de instituições portuguesas similares na área da psiquiatria (dados de 2004). Isto foi devidamente documentado no momento. O Sonho é um bom instrumento de medida, difícil ou impossível de falsificar, e devia servir de base a medições públicas bem mais apuradas sobre a produtividade de cada serviço, por parte do Ministério da Saúde.
Meu caro senhor/a (?), não existe qualidade em nenhum serviço público sem produtividade.

Sobre os objectivs específicos 20 e 21, sabe-se razoavelmente o número de bebedores excessivos e de dependentes por Região de Saúde do país. Sabe-se quais os recursos humanos e técnicos existentes nessas regiões. Acho que o IDT tem a obrigação de apresentar um plano muito mais detalhado de objectivos específicos, com especificação de resultados pretendidos por Região de Saúde. O CRAS apresentou, em 2006, um documento estratégico de planificação ao Ministro da Saúde, Professor Correia de Campos, muito mais preciso e detalhado.

O que eu vejo na bibliografia do plano é uma censura deliberada ao único artigo sobre tratamento da dependência de álcoool, de autores portugueses, saído numa revista internacional revista por pares.Nesta revista, provavelmente a melhor do mundo na área da alcoologia, não foi encontrado qualquer argumento metodológico para a sua não publicação. As dúvidas que refere sem especificar só podem ser produto da mesquinha inveja nacional.

O Tratamento Combinado e por Etapas foi validado numa tese de doutoramento, em numerosos artigos de que este último é a melhor referência (ver abaixo). Foi defendido em inúmeras comunicações em congressos, sem qualquer contestação. Agradeço que apresente a dúvidas que tem sobre os seus fundamentos.

Neto, D, Lambaz, R, Aguiar P. Chick J. Effectiveness of Sequential Combined Treatment in Comparison with Treatment as Usual in Preventing Relapse in Alcohol Dependence. Alcohol Alcohol. 2008 43: 661-668

PS: agradeço as correcções de ortografia.

Eu said...

Senhor Professor Doutor Domingos Neto,
Concordo inteiramente quando diz que a leitura dos meus e dos seus comentários poderá esclarecer os leitores. O Plano Nacional para a Redução dos Problemas Ligados ao Álcool (e não “alcoológico”) é igualmente público. Por essa razão reservo-me o direito de não me pronunciar acerca da sua resposta. Os argumentos que apresenta dizem respeito a opiniões suas e os conhecedores do trabalho na área do álcool saberão que não espelham dados objectiváveis. Dizer que o “O Sonho é um bom instrumento de medida, difícil ou impossível de falsificar” é uma opinião pessoal, assim como as afirmações “sabe-se razoavelmente o número de bebedores excessivos e de dependentes por Região de Saúde do país”, “único artigo sobre tratamento da dependência de álcool, de autores portugueses, saído numa revista internacional revista por pares”. E quanto a “O Tratamento Combinado e por Etapas foi validado numa tese de doutoramento, em numerosos artigos de que este último é a melhor referência (ver abaixo). Foi defendido em inúmeras comunicações em congressos, sem qualquer contestação”, devo dizer-lhe que publicar não é validar. Por estas razões (e sobretudo porque este blog é seu e não meu, o que nos coloca em patamares distintos de oportunidade) remeter-me-ei ao silêncio daqueles que esperam pelos factos antes de atirarem os argumentos.

Domingos Neto said...

Meu caro anónimo/a, espero que a nossa discussão não fique por aqui. Se quiser e me der um endereço envio-lhe alguns dos documentos de que lhe falei.
Publicar numa revista científica é validar. Validar a metodologia e os resultados. É apresentar evidência e oferecer-se à discussão pública.
Se não fosse assim estas revistas não valeriam nada nem fariam sentido as semanas que passámos a responder aos revisores.

Cumprimentos do

 
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