Celebrar o fim do dia com uma bebida,
o fim das férias,
o ocaso da vida
vivida com teimosia a cada momento;
celebrar com amêijoas,
lapas dos Açores, langueirão e ostras
comidas no César, na Ericeira,
que não é só simpatia. É mais do que isso.
Enquanto leio o Planisfério Pessoal, de Gonçalo Cadilhe,
Celebro e aproximação da terceira idade.
Ao longe, o pôr do sol
desenha novos continentes à vista.
A noite deixa tudo frio,
que viagens novas ainda poderei fazer?
Celebrar a última parte da vida
e o fim da noite,
que deixa tudo frio,
enquanto me telefona o Hugo
da Maré Náutica, do barco.
Sempre me preocupei
Com a beleza pelágica do Oceano
e com tudo o que há debaixo de água:
a baleia, o peixe serra, a lula gigante
peixes do alto mar que não são daqui
e que navegam imperturbáveis no escuro e no frio.
Sempre fui um desportista do nada,
um turista do tudo
que não dá mais do que os primeiros passos
e começa cada coisa como se fosse a primeira
Agora que, depois do ocaso,
um sudário escuro cobre o horizonte,
e os mexilhões tiritam de frio
agarrados à pedra áspera
enquanto areia e água lhes passam pelas guelras
Agora a Ericeira é uma terra improvável,
mais bonita quando o norte sopra
terra de pescadores de camisola de lã
de veraneantes com a barba à Jaime Cortesão
amantes dela para a vida inteira
e de surfistas que desenham riscos em ondas impossíveis
Amanhã vou-me embora desta terra encantada,
quente e fria, primeiro resplandecente
e agora mais escura desde que o sol se pôs
enquanto, sem dormir
por baixo do mar escuro que se estende à minha frente
os Leviatans negros do ocidente
senhores da sombra e do silêncio,
do negro e do frio,
mergulham a profundidades descomunais
imperturbáveis
na sua lógica misteriosa
na sua lógica misteriosa