Tuesday, September 25, 2007

Travessia do Chança




Os segredos do Chança, como visitá-lo, como atravessá-lo. Entrada livre.

Para Steve Fosset

O que é que transforma as pessoas? Uma psicoterapia, um filme, ler um livro; uma viagem? Há viagens iniciáticas que verdadeiramente transformam as pessoas. Por exemplo ritos de passagem para a idade adulta, para a descoberta do totem. Para morrer, no fim, da vida, quando as pessoas já não podiam acompanhar a tribo.

Respeitar os rituais de centenas de milhar de anos, que permitiram aos seres humanos e à sua civilização chegar aonde estão agora.

Só compreenderei o significado desta viagem depois de a ter realizado. Só a morte é uma viagem que não acaba, sem fim e sem retorno. As outras viagens têm um fim mas também têm um ponto de não retorno.

O Chança, o rio das águas verdes, com quase todos os acessos vedados. É tão difícil chegar a este rio que o Chança é outra realidade, outra natureza, quase outro país.

O Chança é um rio maldito, desprezado, ignorado e odiado. Só foi utilizado pelos contrabandistas.

O Grande Canyon, talvez a zona mais selvagem de Portugal. E, no entanto, bem poluído por suiniculturas, extracção de areia e outras coisas.

Sobre andar sozinho, as opiniões dividem-se. Muita gente não anda, precisamente porque lhes dizem que não devem andar sozinhos.
Sobre este assunto ver no Google, “walking alone”.
A reacção das pessoas: É perigoso, não vás, excepto o Morais que se ofereceu para ir comigo. Ele que foi o melhor caçador de Mértola, e não perde um detalhe da observação da natureza.

Saí no dia 27 de Agosto, às 9:45, de Moinhos de Cima, perto de Nossa Senhora das Pazes. Bonito nome, a fazer lembrar as constantes querras e escaramuças com Espanha.

O Moinho da Volta e o meloal, na 1ª curva do Chança.

Às 16:50 estou a 600 m do moinho do Crespo. Entrei literalmente dentro do Chança para evitar as margens. Estou molhado até ao pescoço. Alivia o calor.

Imagino que posso ter uma doença súbita, neste espaço sem possibilidade de contactar ninguém, e inquieto-me. No dia seguinte resolvo entregar esta possibilidade ao meu Poder Superior, tal como eu o concebo, e a inquietação passou. A verdade é que nem tive o menor sinal de aflição ou doença.

Encontrei várias ovelhas e cabras vivas e sem rebanho. Todas contentes, a comer e a fazer companhia umas às outras. O sonho de qualquer ovelha é precisamente o Chança, porque significa escapar à morte certa e trocá-la por uma vida de aventuras. Encontrei também vários destes animais mortos e em decomposição, o que proporciona um cenário dramático a isto tudo.

Terça feira dia 28 de Agosto, 8:50, estou no Crespo e devo sair por volta das 10 horas. Devido à entrada da ribeira de Calaboza o Chança ficou mais grosso, com mais água e deve ser mais difícil passar a vau. A minha esperança é que não hajam mais ribanceiras. Não deve ser possível despachar-me mais cedo. Demoro 10 minutos a calçar umas botas, muito tempo a aquecer a comida liofilizada. Se perco qualquer dos meus haveres pode ser grave.

Dia 28 de Agosto partida do Crespo às 10:26. É o segundo cadáver de ovelha que eu vejo (ao todo foram cerca de 5). Já vi várias cabras perdidas também.

De meia em meia hora, devido ao calor, tenho de parar para descansar e beber água. As sombras às vezes são raras. Num caso tive de descer muito para me abrigar num barranco. Penso: se me acontece alguma coisa ninguém me descobre aqui.

10:44. Não, não é o barulho de um carro. É uma perdiz a levantar voo. Aliás várias.

Dia 28 de Agosto dormi em Paymogo e dia 29 às 13 cheguei à Volta Falsa.

Afinal tive poucas ideias: Os meus totens: O lince, que algumas pessoas desta região afirmaram ter avistado, e a sorte.

No comments:

 
Assine meu Livro