Sunday, December 11, 2011

Essa China que nos asfixia lentamente

Por Eduardo Oliveira Silva, publicado no I em 7 Dez 2011


“Deixem dormir a China porque, quando ela acordar, o mundo irá tremer.” Atribuída a Napoleão Bonaparte, a frase não poderia ter sido mais certeira e premonitória.


De facto, mais valia, na nossa perspectiva europeia, que o gigante continuasse adormecido. O problema é que acordou mesmo e com uma energia frenética. Frenética e perigosa.


Vamos por partes. O que parecia uma coisa simpática que nos mandava lojas dos 300 e pechinchas tornou-nos dependentes de tudo e mais alguma coisa: roupas, têxteis em geral, equipamentos de desporto, electrónica, informática, motos, automóveis e camiões. Falta, por enquanto, a aeronáutica, essa última grande indústria da Europa e dos EUA e pouco mais.


Toda esta produção foi feita sem o menor respeito pelas leis de trabalho, da concorrência, do ambiente e, claro está, assentou num modelo antidemocrático e de exploração humana da Idade Média.


O acumular de riqueza que esta estratégia permitiu levou a que os chineses passassem à fase seguinte com grande eficácia: oferecer a África um conjunto de facilidades de construção (de má qualidade, por sinal) a troco do saque das suas matérias-primas e recursos naturais.


Acto contínuo, veio a fase da internacionalização chinesa com base na riqueza acumulada. Toca a comprar tudo o que estiver à venda na velha e decrépita Europa e no mundo em geral: logística, empresas portuárias, companhias de conhecimento e científicas – algumas ligadas, obviamente, à defesa –, ensaiando, ainda com resultados fracos, o concurso em “dumping” a certas obras públicas.


No cabaz das compras estão, naturalmente, companhias de Estado, aproveitando uma coisa a que por cá se chama privatizações (o que não deixa de ter graça quando se sabe que quem compra são, em muitos casos, empresas de Estados nada democráticos). Como se não bastasse, os “amigos” asiáticos arranjaram, ainda por cima, uma forma de fazer baixar o preço desses “petiscos económicos” ao inventar também uma empresa de rating (igualmente controlada pelo Estado) que passou a dar notas e outlooks negativos que contribuem para degradar o contexto económico. Se é certo que a agência ainda não domina o mercado, o facto é que já o influencia.


Olhar para esta estratégia como se ela não tivesse por detrás uma superpotência com um desígnio mundial, assente num regime ditatorial e com um enorme poderio militar e uma história baseada em pretensões imperialistas, é tapar o sol com uma peneira.


A China é uma potência com uma política multinacional imperialista. O Ocidente ainda vai a tempo de evitar o alargamento dessa influência, exigindo ao governo de Pequim que cumpra regras de concorrência leal, que respeite tratados mundiais e direitos democráticos e que instaure um regime social digno desse nome.


Sem essas bases, bem podem a Europa e os EUA injectar o dinheiro que quiserem e imprimir as notas que puderem que a questão substancial se manterá e as suas economias irão definhando inexoravelmente.


Já agora, fica dito que não vale a pena contra-argumentar com o Brasil e a Índia porque esses países fazem uma grande diferença da China: não querem dominar o planeta e têm regras democráticas, ou pré-democráticas como a Rússia


Numa escala global, pode concluir- -se que o mundo está hoje melhor e que mais gente vive melhor do que há 20 ou 30 anos.


Certamente, mas nós, ocidentais, estamos do lado que está a empobrecer e temos de preservar o Estado social que construímos em muitas dezenas de anos e que constitui a marca fundamental da nossa civilização.


Tratar da relação com a China é, pois, mais importante do que qualquer cimeira europeia, como se verá…


Nota – Tirando os industriais da panificação, quantos industriais, donos de fábricas ou de fabriquetas o leitor conhece? Um? Dois? Muito bem. Tem sorte, porque a maioria das pessoas, hoje em dia, não conhece nenhum. Em contrapartida, conhece advogados, psicólogos, sociólogos, politólogos, jornalistas (muitos), economistas, gestores, analistas, informáticos, engenheiros de ambiente, comerciantes de bens importados, técnicos disto e daquilo. Certamente que muitos dos males de que nos queixamos hoje têm que ver directamente com esta situação. Afinal quem produz ?


Jornalista. Escreve às quartas-feiras


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